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"É comum cadeirantes não serem examinadas nos ginecologistas", diz Flávia Cintra

19 mar 2010 - 11h39
(atualizado às 15h09)
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Patricia Zwipp

A jornalista Flávia Cintra, de 37 anos, é uma das fontes de inspiração do autor Manoel Carlos
A jornalista Flávia Cintra, de 37 anos, é uma das fontes de inspiração do autor Manoel Carlos
Foto: Divulgação

A jornalista Flávia Cintra, de 37 anos, é uma das fontes de inspiração do autor Manoel Carlos para criar a personagem Luciana, vivida por Alinne Moraes na novela global Viver a Vida. Sofreu um acidente em 1991, perdeu os movimentos das pernas e parcialmente os dos braços, e teve gêmeos em 2007. O Terra conversou com a "Luciana real", consultora da trama.

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Confira abaixo o que ela disse sobre sua colaboração com a novela, o processo de adaptação após o acidente e como cuida dos filhos:

Terra: Como é o seu trabalho com a Alinne Moraes?

Flávia: Eu e Alinne iniciamos nossos laboratórios em maio de 2009. Foi importante termos esse tempo antes da novela para elaborarmos aspectos delicados que dariam forma à personagem.

Ela esteve diversas vezes na minha casa, observando minha rotina com meus filhos, vimos fotos, filmes e conversamos muito.

No início, Alinne tinha as mesmas curiosidades das pessoas que não conhecem alguém com deficiência, mas mergulhou profundamente nesse universo e absorveu todas as sensações, emoções e reflexões que compartilhamos sobre preconceito, sexualidade, maternidade e todos os assuntos vividos por uma mulher cadeirante.

Ela se preparou para dar a Luciana um conteúdo sensível, sensual, estético e realista, porque é assim que Manoel Carlos escreve.

Nessa fase em que estamos, nosso contato é mais no Projac, aonde vou periodicamente acompanhar gravações.

Assim como a personagem, você foi modelo. Quando deixou essa profissão? Foi por conta do acidente?

Eu não era modelo profissional. Fazia alguns desfiles interessada em ganhar as roupas e receber o cachê, que era ótimo (equivalente ao meu salário do mês trabalhando como secretária). Como foi o período de adaptação após o acidente? No início, é difícil encarar o olhar das pessoas, mas depois você percebe que o preconceito é uma limitação do outro. Hoje em dia, eu sinto muito pelas pessoas preconceituosas, porque sei que são elas que perdem mais com isso.

Alguém numa cadeira de rodas entrando em um ambiente chama atenção sempre. As pessoas olham e apresentam os mais variados comportamentos.

Tem aquelas mães que puxam o filho pelo braço, dizendo "não olhe!". Tem aquelas pessoas que lacrimejam de piedade. Tem as que ficam tentando perceber se o cadeirante precisa de ajuda e oferecem logo o auxilio, às vezes sem ser necessário.

O fato é que há um estranhamento provocado pela falta de convívio e só poderemos superar esse tipo de constrangimento quando alcançarmos a tão desejada sociedade inclusiva.

Em algum momento, pensou em desistir?

Nunca pensei em desistir, mas é claro que passei por momentos de tristeza, impotência, angustia e muita dor. A superação veio quando decidi que não esperaria o dia de voltar a andar para voltar a viver.

E para viver bem foi necessário garimpar informações sobre as possibilidades disponíveis. Quem passa por um acidente hoje se recupera mais rápido porque consegue todas as informações com a velocidade da internet.

Além disso, a visibilidade alcançada por uma novela do Maneco, em horário nobre na TV Globo, traz o assunto para discussões no happy hour, no jantar com a família, no cafezinho do trabalho.

Da mesma forma que a personagem, você também teve dúvidas quanto à vida sexual e a possibilidade de ter filhos?

Sim. Perguntei logo aos médicos e eles me explicaram que nada me impedia de engravidar. Mas tive sorte.

Ainda existem muitos médicos que costumam desaconselhar a gravidez de mulheres com deficiência e, estas, sem outra opção para buscar orientação, acreditam que possuem essa impossibilidade e desistem do sonho de ser mãe.

Nos consultórios ginecológicos, é muito comum que mulheres cadeirantes não sejam examinadas pelos seus médicos simplesmente porque transferi-las da cadeira para a mesa do exame dá muito trabalho.

Como ele acredita que aquela mulher não tem vida sexual, acaba considerando desnecessário examiná-la.

Já estava com o pai dos gêmeos antes do acidente?

Meu acidente aconteceu em outubro de 1991. Eu tinha 18 anos e, com o namorado que tinha naquela época, vivi todo o processo inicial da reabilitação e da redescoberta da sexualidade, do corpo etc.

Terminamos o namoro um tempo depois e, em seguida, tive alguns relacionamentos. Conheci o pai dos meus filhos e fiquei grávida, quando havíamos acabado de marcar o casamento.

Decidimos cancelar a cerimônia e morar juntos. Permanecemos casados por dois anos e meio e nos separamos no ano passado.

Como é cuidar dos gêmeos?

Minha condição física é minha circunstância de vida, é parte integral da minha rotina. É na minha cadeira de rodas que desempenho meus papéis de filha, de mulher, de profissional, de amiga, de mãe.

Meus maiores desafios não se referem à minha deficiência, mas ao universo da maternidade inserido no mundo moderno.

Esforço-me para driblar a agenda de trabalho, por exemplo, para estar muito tempo com meus filhos.

Estudo sobre desenvolvimento infantil, pesquiso sobre diferentes linhas pedagógicas, porque estão chegando na idade de ingressar na escola.

Cuido da alimentação, dos horários, das consultas médicas, brinco, canto, danço, dou as refeições, levo para passear, faço dormir, como qualquer mãe.

Contou ou ainda conta com a ajuda de alguém para cuidar dos gêmeos?

Contei e conto até hoje com o apoio de uma babá que trabalha sob a minha supervisão e, além disso, tenho a sorte de morar a três quarteirões da casa minha mãe. Ter mãe por perto é tudo de bom!

Fonte: Especial para Terra
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